Completaa-se neste ano vinte e cinco anos de reaparecimento de um riquíssimo acervo histórico do Barroco mineiro, dos poucos que restaram em nossa cidade, incluindo o casario e a Igrejinha do Rosário, a qual o mestre-de-obras foi um antepassado meu, Francisco da Costa Lage (pai do Major Lage). Retornou ao nosso mundo o acervo de partituras que estava encaixotado na sede da Banda Euterpe Itabirana.
São várias partituras oitocentistas, com papéis que nos remontam a aproximadamente 1750 por intermédio de sua marca dágua e forma escrita.
Temos lá, dentre outros, Lobo de Mesquita e uma Missa a quatro vozes, para coral e orquestra, sem título e autor informados e que naquela época da descoberta foi tida como exclusiva, sendo que a mesma foi apresentada em 1987 no encerramento do Festival de Música da Cidade de Prados – MG, organizado e realizado pela Escola de Música da USP – Universidade de São Paulo, então dirigida pelo meu amigo, professor e maestro Olivier Toni, o qual procurou reverenciar esta redescoberta deste arquivo com todos os aparatos necessários para a boa execução dela.
Foi uma dos acontecimentos mais engraçados da minha vida. Recebi, como Secretário da Banda Euterpe na época, um chamado de Dª Myrian Brandão, na época responsável pela Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, para que lá fosse atender a uma ligação do Maestro da Escola de Música da USP e sem mais informações o que me prontifiquei no ato a aguardar a ligação dele. Me liga o Maestro e Prof. Toni procurando informações sobre um possível arquivo de músicas antigas da Banda Euterpe que ele havia tido informações por intermédio do seu aluno e pupilo Rubens Richiardi, hoje também Maestro, em que combinamos que ele chegaria em Itabira no dia 16 de Abril de 1987, numa quarta-feira de Semana Santa.
Marcado o encontro, cancelei os demais compromissos que tinha e me chega o Toni, acompanhado do Rubens, atônitos com o beco da Igreja da Saúde, o qual desceram enganados e tiveram a sensação de que a traseira do carro iria passar por cima da dianteira, dei altas gargalhadas quando me contaram.
Passado o susto, fomos à sede da Banda Euterpe buscar lá no alto do armário uma antiga canastra toda mofada, cheia de traças e coisas mais; descemos a tal e começamos a jogar tudo para fora, quando neste ínterim chega o Nonoca (Ronotil) que convoquei para nos auxiliar no trato inicial do manuseio do acervo histórico.
O Toni não podia se conter de tamanha emoção, parecia um menino no parque, já esmiuçando partitura por partitura.
Após dois dias de seleção começamos a micro-filmar todo o acervo, considerado relevante. como primeiro ato de preservação do arquivo apesar da maneira rudimentar, mas conscientes da necessidade e urgência naquele momento.
Toni, pessoa franca, expôs a sua avaliação sobre este arquivo e o quanto pode ter-se perdido nesta demora para reavê-lo, haja vista que a USP já tinha solicitado uma informação sobre a possibilidade de existência do mesmo no ano de 1978.
Passado algo em torno de quase dez anos me aparece o pseudo-aprendiz de musicólogo e atirado a maestro, o André Cotta Guerra, e enfim começa um verdadeiro trabalho de preservação da imagem digitalizando todo o arquivo que deixamos envoltos em jornais como forma de preserva-lo da umidade.
Passado um tempo, encontro com o André e ele sem saber com quem estava falando, vem me dizendo que encontrou o arquivo todo bagunçado e que esteve na Escola de Música em São Paulo para averiguar a micro-filmagem e que estas estavam mal feitas.
Em momento algum, este cidadão de baixa estima e consideração, procurou saber em quais condições eu, o Toni, o Rubens e o Nonoca encontramos o arquivo de partituras, qual o dia e condições trabalhamos e a urgência que tínhamos buscando somente preserva-lo, sendo que em momento algum pensamos nós em aparecermos aos demais e muito menos nos vangloriamos do ato que praticamos em prol da nossa preservação cultural local e mesmo nacional.
Fomos inclusive acusados, por outras pessoas, de termos locupletados algumas partituras, ridículo!
Inclusive, Dom Oscar, quando Arcebispo da Arquidiocese de Mariana, quem em 1950 Itabira pertencia a ela, quando passou por esta região recolhendo todo o acervo religioso de relevância, carregando as imagens e adornos da Igrejinha do Rosário que nunca mais retornaram, só não levou este arquivo de músicas porque ele não teve conhecimento e encontrava-se sob a guarda da Banda Euterpe.
Passou por aqui também, naquela época, o reconhecido musicólogo alemão e radicado na Colômbia, Curt Lang, procurando por partituras antigas e, conforme comentário dele em entrevista a uma revista, foi recebido por um Maestro negro, provavelmente Sr. Silvério Faustino, um dos meus mestres, o qual mineiramente não deu muita atenção a ele e não disse nem que sim ou não sobre a existência deste arquivo de músicas de estilo Barroco.
Outra informação foi a de que existiu até 1936, em Itabira, uma orquestra e coral e que muito provavelmente este arquivo pertenceu a ela e quando da sua extinção este acervo foi transferido para a Banda Euterpe.
Por acaso, em 2006 quando estive com o Márcio Meira, ex-secretário do Ministério da Cultura, em Lagos, Portugal, comentávamos sobre arquivos existentes e ele, quando ficou sabendo que era de Itabira, me disse que sabia da história de como o arquivo da Banda Euterpe fora encontrado, porém não imaginava quem havia proporcionado isto, foi gratificante.
É assim, para a Cultura acho que temos de nos dedicar naturalmente e jamais esperarmos por glorificação e outros ufanismos mais, senão deixa de ser Cultura para se transformar em mero comércio.
No passado solicitei o tobamemto deste acervo que é o único Patrimônio Imaterial existente em Itabira a ser tombado junto ao COMPHAI, que não por acaso não conseguiu enviar-me uma resposta por escrito e ainda tive de voltar lá para saber um posicionamento daquele tradicional omisso conselho a respeito do pleito. Responderam-me que necessitavam de um dossiê especificando sobre o arquivo, entendiam a necessidade do tombamento e ficou por isto mesmo.
Quando a Marília Ramos assumiu a superintendência da FCCDA fui a ela solicitar que cuidadasse disso, inclusivamente por ela ser na altura a vice presidente da Banda Euterpe e também ficou por isto mesmo. Informei a ela da digitalização do acervo que foi realizada dentro da FCCDA e também, não por acaso, não consegui encontrar este arquivo digital lá e que serviria muito bem para o processo de tombamento junto ao letárgico COMPHAI.
Este acervo já foi alvo de estudo para tese de doutoramento de alunos da escola de música da UFMG, porém continua lá na Banda Euterpe encerrado em um arquivo de lata sujeito ao ataque de traças e baratas por encontrar-se mal acondicionado e totalmente sem acesso a qualquer interessado em estudá-lo ou para formular o dossiê de tombamento. Uma tristeza!
Nestes vinte e cinco anos, parabéns a todos que se dedicam de coração ao bom desenvolvimento da Cultura em nosso meio.
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